Um pioneiro do aeromodelismo brasileiro
Registro feito pelo empreendedor Wellington Sassi, compartilhado por ele para registro da bela história da Indústria de sua família:
“Sou Wellington Sassi, que junto com meus irmãos Onofre C. Sassi e Wilson Sergio Sassi fabricamos os motores Sassi de 1976 a 1991.
Vou tentar lembrar um pouco da história do nosso trabalho na fabricação de motores e no desenvolvimento do aeromodelismo no Brasil.
Tudo começou em Curitiba – PR, tínhamos uma fábrica de antenas para televisão e em 1976, não conhecia nada sobre aeromodelismo, quando um amigo me falou do problema que estava tendo com um motor Enya .19 que quebrou a biela e consequentemente o pistão.
Comentei com meu pai, Sr. Onofre Sassi (In Memoriam), que prontamente disse que poderia consertar o motor, fabricando o pistão e a biela....... foi o grande momento.....desafiei meu pai, que apesar de na época ser bancário, já tinha trabalhado não manutenção de máquinas agrícolas, alertando que era muita tecnologia e que não dava para consertar.
Resumindo, desafio aceito, no final de semana fabricou as peças que funcionaram por muito tempo.
Como na época estávamos com sérios problemas de matéria prima para fabricar antenas (tubos de alumínio), estávamos procurando oportunidades de mercado, começamos a pesquisar sobre os motores para aeromodelismo.
Resultado, descobrimos sobre a WB, compramos os restos mortais da fábrica e tentamos fabricar o WD diesel, isso nos atrasou um pouco, não conseguíamos um motor com funcionamento estável, não tínhamos maquinários para produzir o motor com a qualidade que a WD tinha e como existia uma rejeição aos motores diesel pela dificuldade de carburar e a sujeira que ele produzia resolvemos repensar a fábrica.
Foi com o incentivo do nosso grande amigo Célio Pinho, proprietário da loja Mobral, seguimos em frente, mudando a linha para os motores Glow.
Aí o nosso grande mestre, meu pai, Sr. Onofre Sassi, dotado de uma genialidade fora do normal e com uma criatividade impressionante, partimos para o tudo ou nada e conseguimos produzir o Sassi .15 com o cárter do antigo WB, camisa de aço com pistão de ferro fundido.
Tempos difíceis, não tínhamos maquinários para padronização dos motores, cada um tinha suas características próprias, mas fomos em frente.
No início eram 20 motores por mês, quando ficavam prontos, levava em mãos para São Paulo para distribuir nas lojas: Mobral e Aerobrás. O bom é que era muito bem recebido, pois na época não existia nada no Brasil e recebia muito incentivado para continuar com nosso trabalho.
Fomos evoluindo rapidamente, com maquinários e equipamentos e aí a grande mudança, injetar as peças em alumínio, abandonar a fundição em conquilha no sistema por gravidade. Confesso que foi muito estudo e trabalho, a tecnologia era praticamente desconhecida no Brasil, só as multinacionais tinham injetoras de alumínio ....... foi muito difícil mesmo, tivemos que construir a nossa injetora, moldes e produzir a liga de alumínio para injeção, não existia no mercado matéria prima.
Nasceu o motor SASSI .15 II, externamente muito similar ao Enya .15, mas com tecnologia de fabricação e material totalmente tupiniquim e com muito orgulho.
Infelizmente não consigo lembrar o nome do Engenheiro Metalúrgico da Fundição Tupy, que desenvolveu o material da camisa e pistão.
Grande aficionado por aeromodelismo, veio até nossas instalações conhecer nosso processo de fabricação e prometeu desenvolver material para fabricação da camisa e pistão dos motores. Nem acreditamos, mas eis que, em menos 30 dias ele voltou com algumas barras do material e como deveríamos usinar e realizar o tratamento térmico (tempera), e com isso conseguirmos um motor com desempenho muito melhor que os importados.
Não é para se gabar, mas nosso motor girava pelo menos uns 20% a mais que os similares importados, o problema é que não conseguíamos uma padronização, principalmente pela quantidade que já estávamos produzindo, 400 unid/mes. Alguns motores giravam a mais de 13.000 RPM com uma hélice 8x6 de nylon, enquanto os concorrentes não passavam de 11.500 RPM.
Nossas instalações estavam pequenas e tínhamos que mudar de local, Curitiba só permitia a localização de industrias no Distrito Industrial, que ainda não era o nosso caso, foi então que resolvemos mudar para Presidente Prudente - SP, próximo a cidade de nossas origens, (Santo Anastácio).
Em setembro de 1982 mudamos para as novas instalações em Presidente Prudente, com novas ideias e com muita vontade de crescer.
Começamos a produzir a motor .35 para VCC, ainda com a tecnologia de uma câmara de injeção de combustível, pois tivemos que desenvolver tecnologia própria para injetar o cárter já com a cavidade de injeção de combustível com direcionador de jato, pois já tínhamos tentado fabricar o motor .40 com a cavidade usinada e o motor não ficou eficiente e econômico como os similares importados.
O motor .40 foi uma experiência nova, já com rolamentos no virabrequim, mas o motor não rendia o que queríamos, hoje acho que fomos exigentes demais, tínhamos um motor .15 excelente e o .40 era próximo aos concorrentes, então para nós não estava bom.
Entramos na linha Radio Controlado com o motor SASSI .15II R/C e logo em seguida o motor .35 R/C com o novo sistema de injeção de combustível.
Esse foi outro grande desafio, fabricar um carburador R/C, confesso que deu trabalho, muito trabalho mesmo, pois queríamos um carburador com duas agulhas, era o que tinha de melhor no mercado mundial na época. E conseguimos, ficou muito bom, inclusive vendemos muitos carburadores para outros motores que não tinham carburador com duas agulhas.
Em 1986 mudamos para instalações próprias, adquirimos maquinas modernas e automáticas, (fomos os primeiros a adquirir um torno CNC em Presidente Prudente), construímos uma nova injetora de alumínio de grande porte, novos dispositivos de usinagem e pela nossa tecnologia desenvolvida chegamos a ser alvos de grandes reportagens pela imprensa nacional.
A produção do motor .25 foi nossa grande demonstração da tecnologia que conseguimos ao longo dos anos, um motor com três câmaras de injeção de combustível, pistão sem defletor que proporcionava um funcionamento uniforme. Custou caro, muito caro, mas para nós foi o máximo injetar o cárter do motor com as três câmaras de injeção, que orgulho, estávamos produzindo o que existia de melhor em tecnologia no mundo e tudo produzido dentro da fábrica.
Com grande capacidade de produção, produzíamos peças para empresas de grande porte, fabricamos redutores para portão automatizado, moto esmeril completo, inclusive o motor elétrico, moldes para injeção de plástico, etc...
Em 1988 já tínhamos a fábrica toda informatizada, com controle total da produção através de computadores e as peças em aço com tecnologia de microfusão, que pouca gente sabia o que era isso, nosso virabrequim saia pronto para retificar e laminar a rosca.
Construímos um centro de usinagem para o bloco do motor, ele realizava todas as operações de usinagem no bloco: furação, rosca e usinagem interna para colocação do cilindro e virabrequim. Esse processo demorava cerca de 20 minutos e grandes problemas no controle de qualidade, com o centro de usinagem, passamos a produzir um bloco a cada 2 minutos e com um excelente padrão de qualidade.
Foi em 1986 que começamos a comercialização de motores em Magazines: Sandiz e Sears, bem devagar, cerca de 50 motores por mês em cada magazine. Essas vendas tomaram proporções que não tínhamos ideia, principalmente quando a Sears foi comprada por um grupo Holandês, as vendas dobravam a cada mês. Em 1987 o grupo Holandês comprou a Sandiz também e as vendas aumentaram mais ainda, pois estavam levando nossos motores para outros países.
Por falar em exportações, conseguimos vender nossos motores na Argentina, Chile e Portugal.
Começamos a fazer dois turnos na fábrica para conseguir atender a demanda da Sears, em 1989 estávamos entregando uma média de 2000 motores mês, tivemos que parar a produção dos redutores para portão, acabar com a produção de serviços para terceiros, pois o nosso negócio era os motores. Resultado é que mais de 90% do nosso faturamento era para a Sears e não tínhamos como reverter essa situação, as vendas aumentavam mais que a nossa produção.
Nessa época começaram a surgir os motores 4 tempos, ainda com os comandos de válvulas externos, e pouca potência. Mesmo com todo problema de produção que estávamos tendo, conseguimos desenvolver nosso projeto e construir um protótipo já com o comando de válvulas com correia dentada, mas infelizmente ficou por ai, não tivemos tempo para levar o projeto adiante.
Aí aconteceu o maior desastre desse país, o Collor ganhou a eleição, o grupo que controlava a Sears, sabendo com antecipação as loucuras que o Collor pretendia fazer para acabar com a inflação, simplesmente encerrou suas atividades no Brasil, fecharam todas as lojas. Já tínhamos pedidos de compras com eles para os três próximos meses, estávamos produzindo a todo vapor e de repente não tínhamos para quem vender.
Para ajudar, o Collor quando assumiu a presidência em março de 1990, confiscou o dinheiro de todas as pessoas e empresas e abriu as importações, nada contra, mas o brasileiro estava tão carente de produtos importados, que só queria comprar as porcarias Chinesas, o resultado foi que não sobrou nenhuma fábrica de brinquedos no Brasil. Foi uma pena, ninguém queria os produtos nacionais, então paramos com a produção de motores e várias empresas encerraram as atividades como a Frateschi que produzia os trens elétricos.
Tivemos que adaptar a fábrica, produzindo maquinas para trabalho em madeira, engates para veículos, micro torno e também a concessionária de motores de popa Johnson, abandonando totalmente o aeromodelismo.
Com os problemas financeiros ainda não resolvidos do plano Collor, vem o plano real, que do dia para a noite ninguém tinha mais crédito, não havia moeda em circulação, resolvemos então encerrar as atividades e salvar nosso patrimônio, não dava mais para suportar tantos planos econômicos e interferências do governo na economia.
Essa é a situação do nosso país com esses políticos corruptos, quem produz não tem valor nenhum, é massacrado pelos altos impostos sem nenhum apoio ou incentivo.
Espero ter contribuído o suficiente para o aeromodelismo no Brasil, pois me tornei um apaixonado pelo esporte, fui praticante de várias modalidades e organizei em Presidente Prudente em 1985 um dos maiores Campeonato Brasileiro de Aeromodelismo, com a participação de mais de 500 aeromodelistas.
Não tenho dados precisos da quantidade de motores que fabricamos, mas acredito estar próximo de 50.000 motores.
Não gostaria de citar nomes de pessoas que nos ajudaram, pois foram muitas, pessoas que são aficionadas pelo esporte e contribuíram em muito para nosso sucesso, para não cometer o erro de esquecer alguém, pois já se passaram muitos anos.
Wellington Sassi.
Agradeço muito ao meu pai, com toda sua inteligência e experiência foi o grande incentivador do nosso trabalho, que Deus o tenha em bom lugar."
Nós que agradecemos aos precursores da família Sassi por representarem nosso pais com as melhores práticas possíveis, disponíveis à época, trazendo alegria para milhares de crianças e adultos no aeromodelismo.
Ótimos voos!
Frederico M. Diniz
Hangar Vintage Aeromodelismo